O tempo voa, amor
- Marina Luizato
- 6 de mai.
- 4 min de leitura
Hoje, 06 de maio de 2025, faz um mês que perdi minha mãe. O luto é uma coisa meio engraçada, se assim podemos dizer. Pelo menos, do jeito que vem sendo comigo; porque eu já a vinha perdendo desde muito antes.
Desde o primeiro diagnóstico da minha mãe, lá em 2020, sabíamos que ia ser uma luta. Mas era câncer de mama, as chances de recuperação são muitas e altas, ela fazia os exames regularmente, não tinha como dar errado. No final, não deu. Apesar de ter sido uma luta abrupta, onde qualquer um poderia desistir ou fraquejar, ela seguiu firme, mesmo com tanta dor, dificuldade, efeitos colaterais. Tirando a carne moída e a abobrinha que ela nunca mais quis comer, em 2021 ela já estava bem.
O cabelo voltou a crescer, mas ela não quis bater o sininho. Ela queria bater depois dos 5 anos de remédio que você tem que tomar após o tratamento. Acho que, na cabeça dela, não era uma vitória completa, afinal.
E então veio novembro de 2021. Ela passou mal, uma tontura ou algo assim. Por coincidência seu marido ia ao neuro; ele lhe pediu um exame. Em dezembro de 2021, quando eu peguei COVID, minha mãe foi diagnosticada com metástase cerebral. Diversos mini pontinhos espalhados em seu cérebro tão brilhante. Tão pequenos e tão espalhados que era impossível removê-los cirurgicamente.
Ali, ela desistiu. E ali começou o meu luto.
Vi ela entrar em depressão profunda por toda a frustração de estar com essa doença sem solução. Ouvi ela dizer várias vezes o quanto a Ana Maria Braga era sortuda por ter vencido o câncer tantas vezes; o quanto ela sentia pela Preta Gil e torcia por ela; e o quanto ela esperava um futuro tal qual o da Glória Maria e da Rita Lee. Percebi ela, mais do que nunca, postergando tudo e qualquer coisa: quando eu melhorar, vamos ali; fazemos isso; viajamos.
Ela existiu por 4 anos mais.
Digo existir porque ela se prendeu em casa com seu marido. Em uma rotina que, ao menos para eles, funcionava, ela foi perdendo sua imensidão para um apartamento de pouco mais de 60 metros quadrados, fechado, sem circulação de ar e sem luz natural. Indo ao mercado semanalmente, minha mãe quase não saia mais de casa para absolutamente nada.
A duras penas, meu irmão a convenceu a ir ao centro espírita. Vi ela se agarrar em uma fé, antes inexistente ou muito bem adormecida. Ela, então, rezava, pensava, rezava, fazia tudo que lhe era solicitado, e se agarrou muito forte à isso.
Os anos passaram. Uma convulsão em 2023 imobilizou seu braço esquerdo, o que ela mais usava. Sua memória foi, beeeeeem aos pouquinhos, não sendo a mesma. E então chega novembro de 2024.
Após anos de mudanças de tratramentos diferentes fazendo efeito, as opções acabaram. "Não há mais opções, não tem mais o que ser feito"', me disse o médico depois das convulsões dela. A inflamação dos tumores eram grande demais, e só nos restava... esperar. Seu médico lhe havia dado mais 3 meses de vida, talvez.
De novembro de 2024 até sua internação em março de 2025, tudo foi extremamente rápido. A mente dela estava sempre em outro lugar; seus olhos já não focavam em nós como antes; não se lembrava de muitas coisas que sempre soube. Esqueceu o apelido que ela havia me dado de criança e sempre me chamava; esqueceu que era Natal. Perdeu a mobilidade do corpo todo, tinha infecções constantemente. Ela apenas não perdeu a teimosia, pois não queria a ajuda de absolutamente ninguém além de nós.
Em março de 2025, no entanto, já não havia mais a ser feito: ela precisava ser internada. Ela raramente estava presente, olhava para pontos fixos e se perdia, convulsionava com constância e falava com muita dificuldade. Dia 07 de março, ela foi internada e nunca mais saiu.
Do dia de sua internação até dia 06 de abril, tudo foi mais rápido ainda: a inflamação piorou absurdamente e, aos poucos, nós fomos perdendo ela também. Minha mãe parou de falar, de reconhecer as pessoas, de comer, de estar consciente. Lembro-me muito bem das últimas vezes em que ela olhou nos meus olhos e pude vê-la. Ela entendeu tudo, até o final. Em sua última semana, ela apenas dormiu. Ela falou "oi" para mim uma última vez, reconheceu seu marido, fechou os olhos e depois, nada. Ela dormia, apenas. Não reagia. Seu corpo entrou em coma e ela estava apenas ali.
Como que para me fazer sofrer mais, eu fui buscar se isso eram sinais de morte lenta, e ela estava passando por cada um de seus estágios. E seu espírito protetor tanto fez que esperou meu marido voltar para partir, para que eu não sofresse sozinha.
Não deixo de pensar em muitas coisas:
Será que ela estava 100% ciente de que estava indo antes de fechar os olhos pela última vez?
Me dói lembrar que falamos que estavamos arrumando a casa para recebê-la e ela nunca pôde ver: ela foi lá pela última vez e tudo ficou do jeito que ela deixou.
Ela não vai mais ver a Copa do Mundo, ou comer um hambúrguer do Madero, nem conhecer seus netos.
Mas, ao menos, ela está com meus avós, seus pais, por quem ela tanto sofreu a vida toda.
Então... sim. Eu estive vivendo o luto faz muito tempo. Nos meses antes de sua partida, eu o sentia muito forte ainda em vida, e foi se intensificando em suas últimas semanas e dias. Agora, após sua real partida, tento lidar com a saudade e o vazio de não escutar mais sua voz, receber uma mensagem no Whatsapp, poder ir vêla. Tento diminuir minha dor porque "tem gente passando por coisa pior", mas isso é o pior para mim, e isso basta.
Acredito que, com o tempo, vou conseguir aprender a viver com esse vazio absurdo que existe dentro de mim. Um vazio que questiona "Como ousas tentar seguir a vida se ela não está mais aqui?". Um vazio que espero poder transformar em força. Que espero poder aprender a aceitá-lo e respeitá-lo.
Mãe, eu te amo.

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