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A gentrificação da Cidade do México, o papel do nômade digital e a visão de uma imigrante temporária

O processo de gentrificação não é desconhecido de nós, brasileiros. A palavra, que descreve o processo de desigualdade e segregação urbana a partir do interesse de moradores com rendas mais altas em áreas antigas/populares (ALCÂNTARA, 2018), pode não ser a mais utilizada no dia a dia, mas seu processo discriminatório é muito familiar para todos.


Como recém moradora da Cidade do México, capital do país, vim alheia ao que poderia estar acontecendo. Ao buscar lugares para residir por um mês ou dois, foi visível (e um pouco chocante) a mudança de valores que um dia notei em minha primeira visita, lá em 2016.


Na época, a diferença entre peso mexicano e real era de 1 BRL para 6 MXN (PESO365.MX) o que nos trazia uma vantagem econômica absurda. Agora, em 2023, essa diferença está pela metade, e com uma economia crescente, o México já não se torna tão mais barato para quem vem de terras tupiniquins.


Em minha busca por "residência" pelas ferramentas Airbnb ou Booking.com, pude ver a disparidade dos valores entre bairros mais conhecidos, antigos (a famosa Vila Buarque da Cidade do México); e bairros que não são tão visados, com um estilo pouco atraente para quem os visita. Nessa procura, também me uni a grupos de Facebook de imigrantes, no intuito de entender sua dinâmica, como era vir com um cãozinho, que zonas eram recomendadas, se juntavam-se para conversar sobre como sentiam falta de casa. E aí, me deparei com a realidade.


Muitas pessoas ainda utilizam o Facebook. Na verdade, ainda é a maior rede social mundo à fora, com 2.9 bilhões de usuários ativos. Dentro de suas utilidades, existem os grupos, que permitem a divulgação de itens, produtos, serviços. Uma dessas ofertas é de venda/aluguel de apartamentos. Ao ser atingida por vários desses posts, notei a grande quantidade de estadunidenses e mexicanos com apartamentos nas zonas mais requisitadas com valores ABSURDOS mensais (tais quais os valores que encontramos quando queremos morar perto da Avenida Paulista, do ladinho do metrô).


Para se ter uma ideia, o site Propiedades.com, site de compra/venda/aluguel de apartamentos no Distrito Federal mexicano, informa que o preço de aluguel na região de Condesa, área nobre, vintage, com bares e cafés adoráveis, teve um aumento de 15% de 2021 para 2022, saindo de 30 mil MXN para 35 mil MXN (ESCOBAR, 2023), o que seria sair de 8.5 mil BRL (que já é MUITO CARO) para 10 mil BRL.


Agora, há muitas nuances para serem comentadas aqui: nesses grupos, os imigrantes são autointitulados "Expats", de expatriados. O termo, outrora usado para referenciar-se a um estrangeiro que é temporariamente transferido para um novo país por sua empresa (METROPOLITAN, 2017), agora é - em minha opinião - erroneamente usado para designar qualquer imigrante temporário em regime de home office. Com grande parte sendo estadunidenses, eles se permitem o nome de expatriados ao virem morar em outro país e ao provocar o processo de segregação social (mas não quando o contrário lhes afeta).


O boom de "expats" começou na Cidade do México (e em muitas outras cidades) durante/após a pandemia do coronavírus e a mudança do modo de trabalho presencial para o remoto. Em busca de um estilo de vida diferente, com o intuito de conhecer o mundo ou ao enfrentar a crise econômica estadunidense (com um custo de vida elevadíssimo), eles se mudaram de forma semi-permanente para cidades próximas o suficiente de seu país, onde seu dinheiro é muito valorizado e podem disfrutar de uma cultura riquíssima.


No entanto, vale ressaltar que a gentrificação já vem acontecendo em zonas como Condesa e Roma há mais tempo (ROSALES, 2023), e que a população foi se adaptando a essas novas fontes de renda que, primeiramente, vinham do turismo, e que agora tornou-se uma inversão recorrente e mais lucrativa (EL FINANCIERO, 2023).

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Quando esse processo iniciou, tanto a Cidade do México quanto a economia mexicana em si estavam desvalorizados em relação ao dólar. Agora, poucos anos depois, vemos a valorização do peso mexicano em relação ao dólar e o aumento exponente dos alugueis, produtos e serviços em diversas cidades mexicanas.


Como atual residente da Cidade do México, é visível o efeito no dia a dia da população e o quanto muitos desses estrangeiros se esquecem que o México os recebe de braços abertos, mas existe toda uma nação aqui antes de sua chegada.


Leio reclamações cotidianas dos expats nesses grupos com relação à desvalorização do dólar, como tudo não é mais fácil para eles como outrora foi e outros white people problem que já são praxe. O ponto positivo é que existem, dentro desse seleto grupo, pessoas que sabem e entendem o nosso papel aqui: moradores temporários e, por mais que um dia nos tornemos permanentes, temos que entender nosso papel e nosso lugar em meio a tudo isso.


Como em qualquer ponto/coisa na vida, existe algo positivo e algo negativo, a grande dualidade. Por um lado, é excelente para a economia mexicana tanta valorização e crescimento, permitindo que o poder de compra, capital e investimentos aumente. Por outro lado, isso continua a valorizar apenas parte da população: os mais ricos e os estrangeiros. As classes mais baixas não recebem reajustes correspondentes à nova realidade. Os valores para se sobreviver aumentam, e não há outra solução a não ser ir para onde o dinheiro bancar (ROSALES, 2023).


Uma das soluções cogitada pelo governo mexicano é melhorar a regulamentação de sites como Airbnb ou dar início ao processo de descentralização. Esse último, segundo o especialista Antonio Darszon, Diretor Geral da Netta, permitiria que, a partir de subsídios compartilhados em outras zonas, é possível também torná-las mais atrativas e seguras para toda uma nova camada de turistas e nômades, trazendo maior fluxo para outras áreas da cidade e, por sua vez, reduzindo o processo segregador. E isso se daria porque a partir da distribuição da demanda, o dinheiro fluiria entre mais pessoas, e não obrigaria inquilinos atuais de saírem de suas casas (ESCOBAR, 2023).


Estar aqui me permite abrir os olhos para realidades que um dia desconheci ou não quis ver. Estar aqui me permite aprender e, quiçá, agir diferente. Me dá a oportunidade de ver que os problemas acontecem muito além da bolha Santos/SP/Brasil, e essa é um dos enriquecimentos e aprendizados que venho carregando nesse pouco mais de um mês fora.





FONTES


ESCOBAR, Samanta. ¿Qué se requiere para mitigar la gentrificación en la Ciudad de México? Gobierno capitalino prepara regulación para Airbnb. 2023.

ROSALES, Gisela. - Nómadas digitales aceleran la gentrificación en la CDMX. 2023.

Site EL FINANCIERO - Gentrificación en CDMX: ¿Cuáles son sus causas y consecuencias? 2023.

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Marina Souza

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